domingo, 25 de abril de 2010

A Alice de Burton

Tim Burton é um diretor cujas películas transitam facilmente entre filmes classe B e aqueles advindos da produção hollywoodiana. Suas produções com visual exótico, gótico e escuro, além de figurino tresloucado, são únicos. Quando foi anunciado que o próximo filme do diretor seria "Alice no País das Maravilhas" (Alice in Wonderland, 2010) a expectativa era de uma grande obra, pelo fato desse caldeirão de Burton parecer se adequar perfeitamente a uma história como a da obra de Lewis Carroll.

O resultado final, porém, não foi o esperado. Burton apóia a sua narrativa estritamente no aspecto visual e a história é relegada a segundo plano. O telespectador com certeza vai se deliciar com a paleta de cores do diretor, com as transições de cenas criativas (como a do gato que ri, ao virar a Lua), com o figurino bem cuidado, com o visual das personagens e com tudo o mais que vier relativo ao aspecto visual da obra. Mas o enredo do filme compromete.
   
Ao chegar no País das Maravilhas, já é contado a Alice e ao telespectador o que a heroína do filme deve fazer, e então o restante da película é uma busca linear para a realização do objetivo. É uma viagem num lugar exótico, mas a viagem, em si, é tranquila, sem grandes variações ou surpresas.

O grande mote da obra de Lewis Carroll é justamente causar constantemente um estado de confusão e estranheza, nunca deixando um referencial fixo ao leitor. Burton causa a estranheza somente no visual, mas o seu enredo é fixo, linear, chegando até a descaracterizar certos personagens. O Chapeleiro Louco, por exemplo, aparenta ser mais um revolucionário político do que uma personagem imprevisível a confundir Alice.

Considerando prós e contras, o filme de Burton poderia ser bem melhor do que é, mas, em tempos onde o 3D e o visual imperam, há de o filme fazer grande bilheteria e estar bem inserido nesse contexto.

domingo, 18 de abril de 2010

2010, ano de copa

O ano de 2006 prometia uma Copa do Mundo magnífica tecnicamente. Pelos clubes, o Barcelona vinha fazendo apresentações incríveis sob o comando de Ronaldinho Gaúcho e ditava o futebol ofensivo como tendência. Entre as seleções, o time português encontrava um bom futebol com Felipão; a seleção inglesa era dotada de um bom meio de campo, além de boas apresentações da Argentina. Isso tudo sem falar da seleção brasileira, a favorita.

Tudo muito interessante, excluindo-se o fato de que a seleção campeã da Eurocopa naquela época, a Grécia, não apresentava um futebol ofensivo como credencial, e a seleção campeã das Américas, o Brasil, contava com Parreira, um técnico burocrático que perdeu o controle da equipe na presença dos titulares Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo.

Apesar da promessa de bom mundial, o que se viu foi uma competição em que, afinal, o futebol defensivo da Itália acabou vencendo. Fora dos gramados, foi um mundial com grande importância política. A Alemanha pôde demonstrar-se como um país unido após a queda do muro de Berlim; sua torcida nunca foi tão calorosa, fazendo com que tal calor fosse transmitido a uma equipe pragmática, mas que, dentro de campo, fez valer a garra.

As similaridades de 2006 com 2010 são grandes: novamente temos um Barcelona que valoriza o futebol ofensivo e, mais do que tudo, há uma importância política no mundial. A África do Sul, dividida entre brancos e negros, tem a chance de apresentar união, calor e firmar a prática esportiva da Copa como um gesto político. Que tal gesto seja o da democracia e inclusão social.

domingo, 11 de abril de 2010

Zerovinteum

As chuvas que assolaram o estado do Rio de Janeiro foram o grande tema da pauta dos noticiários dessa semana. Entre os comentários, sobrou um pouco para todos. Descobriu-se que a Prefeitura da cidade do Rio chegou a fazer uma desapropriação para remover os moradores das áreas de risco, mas tais moradores não foram removidos dos locais porque não receberam as indenizações às quais tinham direito. E aí não tem como mesmo. Para onde eles iam, sem casa e sem dinheiro? Morar na rua, esperando a boa vontade e acolhimento de terceiros?

Outra descoberta, devido ao caos provocado pelas chuvas, foi a de que o ministério da Integração Nacional repassou, ano passado, metade de sua verba para os municípios da Bahia, justamente o estado do ministro. E, veja você, após esse repasse, o ministro se afasta para concorrer ao governo da Bahia. Geddel Vieira Lima (PMDB - BA), o ministro em questão, deve ser um homem sortudo por poder beneficiar tanto assim o seu próprio estado e, além disso, concorrer como governador, não?

Além da óbvia má gestão pública em todas as esferas, pesou, na tragédia, a concepção que temos de espaço urbano. Qualquer chuva mais forte causa tragédias em quaisquer estados brasileiros, seja no Rio, São Paulo ou Santa Catarina. O espaço urbano, do jeito que é utilizado, acaba sendo um monte de asfalto onde a água não pode correr. Mas não há problemas: um político jogará a culpa no outro, serão tomadas medidas paliativas e, até as próximas enchentes, a população ficará a salvo.

domingo, 4 de abril de 2010

O homem que tudo tem

Transcrevo abaixo parte da notícia retirada do sítio do uol. A reportagem completa encontra-se aqui.

"O matemático russo Grigory Perelman, 44, considerado um dos maiores gênios vivos do mundo, declarou (...) que não tem interesse em receber o prêmio de US$ 1 milhão a que tem direito por ter resolvido a chamada Conjectura de Poincaré.
Em seu apartamento infestado de baratas em São Petersburgo, Perelman afirmou, sem abrir a porta: "tenho tudo o que quero", segundo informou o jornal britânico Daily Mail.
(...)
A vizinha Vera Petrovna afirmou ao jornal britânico que já esteve no flat do matemático. "Ele tem apenas uma mesa, um banquinho e uma cama com um lençol sujo que foi deixado ali pelos antigos donos - uns bêbados que venderam o apartamento para ele".
"Estamos tentando acabar com as baratas nesse quarteirão, mas elas se escondem na casa dele", acrescentou.
Esse não é o primeiro prêmio esnobado por Perelman. Há quatro anos, ele não apareceu para receber a medalha Fields da União Internacional de Matemática."

Caro leitor, há de se observar que a ótica da notícia - focada nas baratas do apartamento do matemático - deixa de fora, basicamente, o que mais me espantou: o fato de alguém afirmar ter tudo o que quer. E mais que isso: o matemático prova o que fala, ao esnobar o prêmio.

A notícia, a meu ver, deveria ser: "matemático diz ter tudo o que quer", mas, ao dar o enfoque nas baratas, o noticiário tenta desmerecer o discurso de Perelman. Para a mídia e sua ideologia, o matemático é um excêntrico por esnobar dinheiro, e por isso ela tenta desarticular sua fala.

São ressaltados todos os traços de "maluquice" presentes no sujeito: o fato dele não ter atendido à porta, a ideia de seu apartamento estar infestado de baratas e dele ter comprado o imóvel de bêbados. O primeiro ponto a ressaltar é que todo mundo tem o direito à privacidade, e o fato dele não ter atendido à mídia não quer dizer nada. O segundo ponto: como a matéria pode falar que o apartamento está infestado de baratas se o matemático declarou, sem abrir a porta, ter tudo o que quer? A reportagem nem sequer entrou no local e tentou defini-lo. Depois, fica-se sabendo de como a reportagem teve acesso a essa "informação": através de uma vizinha que falou coisas pesadíssimas sobre o matemático.

A mídia, afinal, conseguiu o seu intuito: encontrou falas para desabonar o discurso de Perelman e assim ele é visto como um doido que esnobou um prêmio polpudo. Isso simplesmente pelo matemático não partilhar de uma ideologia cujo dinheiro está acima de tudo. Uma pena. Adoraria ver uma matéria sobre como um homem afirma ter tudo e, ainda por cima, é um gênio matemático.