domingo, 15 de agosto de 2010

Flip

A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano acertou em diversos aspectos: debater Gilberto Freyre, trazer Ferreira Gullar, Patrícia Mello e Salman Rushdie, além do fato mais importante: a vinda de Robert Crumb, ícone e mito da cultura alternativa norte-americana.

Negativo foi o convite a Fernando Henrique Cardoso, durante ano eleitoral, para falar sobre Freyre. O autor de Casa-grande & Senzala poderia ser debatido por qualquer outro intelectual que não estivesse envolvido na política.

O que importa, afinal, é que foi cumprida a vocação da Flip, de aproximar leitor e escritor, propiciando um debate mais amplo.

domingo, 1 de agosto de 2010

O homem Datena

Datena é contundente. Ao fazer uma enquete sobre quem acredita em Deus ou não e observar o número de mais de mil ateus, começa a disparar:

"Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia."

"Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades. Pois elas acham que são seu próprio Deus."

"É só perguntar para esses bandidos que cometem essas barbaridades pra ver que eles não acreditam em Deus."

"Quem é ateu pode desligar a televisão, ou mudar de canal pois eu não faço questão nenhuma de que assistam o meu programa."

Não divagarei aqui sobre Datena, que é um sujeito pago para fazer polêmica e ser contundente. A questão das falas dele, excluídas as distorções, é sobre a função da religião no ethos da sociedade. É óbvio que nossa ética esteja interligada à nossa religião, visto que a fé e a crença condicionam a uma concepção de mundo e, tal concepção, vai exigir um certo tipo de padrão ético e crítico perante a realidade.

O problema da fala de Datena é expressar um pensamento muito popular, de que quem não possui religião não possui ética. Desse tipo de pensamento, muito comum, incide a ideia de que a única fonte ética válida é a religião. Assim, o humano estaria fadado a buscar qualquer solução baseado em religiões cujos preceitos datam de dois mil anos atrás. Isso, na verdade, reduz o campo da ética à mediocridade, não permitindo uma busca filosófica do princípio.

Tolhido de uma busca moral fora da fé, mistificando a ética dentro de si, o homem de Datena é um sujeito religioso, de boa fé e age sempre com correção. O seu único defeito seria o de ter uma curiosidade mórbida com crimes hediondos, e por isso ele assiste a um programa que acusa os ateus de bandidos.

domingo, 25 de julho de 2010

O Mundo

Ainda com saudades do polvo Paul, assisto a TV em busca de novidades. O Campeonato Brasileiro recomeçou, e nem ao menos me lembro do time titular do São Paulo no primeiro semestre; o goleiro Bruno está na cadeia, Cleo Pires posou nua e Mano Menezes assumiu o cargo de técnico da seleção brasileira de futebol.

As notícias e o mundo rodam, e eu destilaria um monte de opiniões sobre como todos esses fatos se encaixam na sociedade de consumo, e como todos estamos dispostos a consumir essas notícias, e como todos estão dispostos a ser consumidos, e como tudo são invólucros que nos tolhem de ter uma relação verdadeira com o mundo, mas hoje não.

Por hoje, respiremos, apenas.

domingo, 11 de julho de 2010

Histórias da Copa

A Copa de 2010 termina deixando saudade. A primeira Copa no continente africano marca uma melhoria no futebol (se comparado ao futebol de 2006), traz um bem-vindo campeão inédito e deixa histórias secundárias saborosas, a ponto de dividir o noticiário com os times e o futebol em si.
 
O primeiro fator secundário a chamar a atenção foram as vuvuzelas. Aquele barulho alto, contínuo e interminável, impossibilitando os jogadores a ouvirem seus técnicos, era chato, mas, no final das contas, foi bacana, por ser característico do país.
 
Não bastasse o barulho, apareceu a bola Jabulani para fazer história. Chamada de "estranha" e "sobrenatural", a bola acabou virando bordão e ganhou uma personalidade própria. Nunca antes uma bola fora tão comentada assim.

E o Maradona? O técnico dava beijo nos jogadores, ia de terno a pedido das filhas e fez promessa de ficar pelado em caso de vitória argentina no Mundial. Uma figuraça, divertido nas entrevistas e simpático dentro dos campos.

O polvo Paul virou mascote e vidente da Copa, deixando especialistas para trás na hora do bolão; ele acertou cem por cento dos seus palpites, enquanto Mick Jagger errou em cem por cento da sua torcida.

E, por fim, tivemos as musas do Mundial, desde as holandesas expulsas do estádio, à gloriosa Larissa Riquelme, com o seu celular insinuante e sua torcida cada vez ampliando, literalmente, o número de investidores na moça.

Essa Copa, sem dúvida, não se resumiu ao futebol, e deixa como lembrança o pitoresco e o lúdico. Serão quatro anos de sofrimento até 2014.

domingo, 4 de julho de 2010

Da queda do Brasil

    O Brasil saiu do Mundial 2010, mas a Copa continua. Eu havia me esquecido de como é ver todos pintados de verde amarelo, ouvir gritos femininos em jogos de futebol e apostar em bolão. É um barato esse negócio de gente que nem sabe nada de bola, de repente, exigir tal e qual jogador e se comover com a gorduchinha rolando. Pessoas berrando, gritando e tocando vuvuzela, na tentativa de, durante 90 minutos de jogo, demonstrar o seu patriotismo, tentar entender o jogo e ainda se divertir com tudo isso. Esse clima de Copa é sensacional.
    Confesso que, devido a esse clima todo, não pude realmente assistir a nenhum jogo. Óbvio, meus olhos estavam na tela, mas devido a todo o barulho e gritaria ao redor, não observei as posições dos jogadores, a qualidade dos passes, o tipo de finalização e compactação da equipe. Assisti, mas não vi. Sem problemas, a festa ao redor vale.
    E agora, depois que o Brasil saiu, vi a Globo massacrando o Dunga, vi jornalistas atacando Felipe Melo e vi, afinal, crianças chorando. Mas, sem todo o barulho de vuvuzela, além de assistir, poderei ver a Copa. Devo estar ficando ranzinza.

domingo, 20 de junho de 2010

O guru

A semana começou com uma matéria no programa Fantástico sobre o escritor Augusto Cury. O autor havia feito uma palestra para os jogadores da seleção brasileira de futebol, demonstrando a importância de se ficar focado para o sucesso, e deu uma entrevista ao programa contando, humildemente, sua pouca influência no técnico da seleção, Dunga.

A matéria deu destaque ao escritor, afirmando que Augusto Cury seria o guru de Dunga. Aí eu mudei de canal mesmo porque não dá: Dunga, o sujeito adepto do futebol pragmático, burocrático e militar, sendo um discípulo de Augusto Cury, sujeito de frases feitas, cuja ideologia nega a autonomia do sujeito? É um casamento perfeito.

Ambos acreditam em fórmulas prontas, negando a liberdade individual de cada um e as crises institucionais que permeiam a sociedade. O futebol do Brasil é feio? Oras, mas vencemos, diria Dunga. Você está infeliz? É só seguir uns passos programados por um livro e sua alegria virá, diria Cury.

Ambos acreditam que seguindo regras simples, pré-estabelecidas, é possível alcançar o "sucesso", não discutindo de modo mais profundo isto e suas implicações. Sucesso é jogar bonito, mas não vencer, ou ganhar jogando feio? Sucesso é ser feliz consigo mesmo, ou ser infeliz, mas ciente das crises que necessariamente permeiam a condição humana? Ambos negam esse questionamento e a liberdade individual de construir respostas para isso.

Augusto Cury e Dunga, enfim, são sujeitos cujo discurso simplista e pronto tolhe a possibilidade do debate e reflexão, subestimando a autonomia de cada um. Infelizmente, o mundo cada vez possui mais gente como eles, enquanto Telê Santana e José Saramago nos deixam.

domingo, 13 de junho de 2010

Copa - primeiras impressões

Passados três dias de Copa do Mundo de Futebol do ano de dois mil e dez, o panorama que se segue, dentro de campo, é o de poucos gols (exceção à Alemanha), futebol mais ou menos e goleiros tomando frangos. Nenhum escrete (ainda) demonstrou bola para ser campeão e só dá para se animar a assistir os jogos de alguns grupos mais indefinidos. Das oitavas em diante o negócio toma mais corpo.

Fora dos gramados, há todo aquele papo de "festa africana", "dá-lhe Mandela" e "que beleza", do tipo "somos bonzinhos e estamos integrando a África ao mundo Ocidental". Mas, ao "integrar" a África, na real, estamos, como sempre, exportando um modelo de mercado que causa desigualdade social, explora o meio ambiente de forma insustentável e reduz a escolha humana a uma escolha de consumo. Que beleza.