sábado, 20 de fevereiro de 2010

O heroísmo nos tempos de consumo

Assistindo à novela "Viver a Vida", da Rede Globo, podem ser notados vários padrões ideológicos que permeiam a nossa sociedade, e um deles é sobre como anda nossa concepção de heroísmo. No final de cada capítulo, há relatos de pessoas reais. Tais relatos tentam servir como "exemplo de superação", um modelo a ser seguido. Neles, geralmente uma pessoa conta sobre um momento difícil em sua vida e como conseguiu superá-lo. Trata-se, obviamente, de dar um verniz de heroísmo a pessoas do cotidiano.

A novela, ao demonstrar alguém que superou dificuldades para participar de nossa sociedade, faz de tal pessoa um herói e, ao demonstrar que é herói aquele que consegue interagir socialmente, induz o telespectador a tratar a sociedade como algo sem falhas, abençoado por Deus e bonito por natureza. Fica no inconsciente, então, a ideia de que o herói é aquele que atingiu a satisfação por ser mais um sujeito socialmente aceito.

Oras, caro leitor, o modelo de herói típico é exatamente o oposto. O herói tradicional, mítico, é aquele que justamente abandona a sociedade de alguma maneira, passa por provações e retorna trazendo um conhecimento novo. Exemplos não faltam: Moisés saiu da sua comunidade para subir à montanha e voltar com os dez mandamentos; Jesus Cristo teve de ir ao deserto, ser tentado pelo demônio para voltar e por aí em diante. O herói mítico é aquele que transforma a sociedade através de um conhecimento alheio a ela.

Com o herói de "Viver a Vida", ocorre justamente o contrário: na ideologia da novela, o sujeito deve transformar-se para poder conviver satisfatoriamente. Não é o sujeito que transforma a sociedade, e sim esta que o transforma. O heroísmo, nos tempos de consumo, é poder consumir como os outros. E assim, a sociedade não serve o homem: o homem serve à sociedade.