domingo, 14 de março de 2010

Utopia

Caro leitor, estou lendo A Utopia, de Thomas More, e devo confessar: o livro me é prazeroso. No livro, é descrito uma sociedade cujo funcionamento seria perfeito; todos teriam condições de trabalho e a sociedade seria dividida em grandes famílias. O que mais espanta em A Utopia, é a veemente abolição da propriedade privada. Segundo More, as pessoas não teriam nem mesmo casa, pois, na parte de habitação, cada família moraria durante dez anos em uma residência para depois passar outros dez anos em outra. Isso, segundo o seu autor, faria com que as casas fossem igualmente bem cuidadas, afinal, se o cidadão quer habitar uma boa casa, ele deve deixar uma boa casa para outro. Na vida real, tal abolição de propriedade extremada não aconteceu nem mesmo após a reforma agrária cubana, proporcionada por Che Gevara e Fidel Castro, na qual cada habitante passava a ser dono de seu próprio lar, mesmo que morasse em casa de aluguel.

A Utopia tem como um de seus momentos mais interessantes aquele no qual fala sobre a veste de seus habitantes. Todos usariam o mesmo tipo de roupa, que seria simples e sóbrio. O cidadão utopiano desprezaria ouro, prata e pedras preciosas, pois, segundo More, o ouro seria dado aos escravos, que o usariam no pescoço e nos braços. Além disso, as crianças ganhariam ouro e prata para brincar, e, assim como a boneca é largada quando a criança cresce, ao chegar a adolescência, não haveria mais interesse por esses metais.

Em muitas vezes A Utopia lembra A República de Platão, por constantemente exigir um cidadão disciplinado, racional, com gostos simples e sempre agindo em concordância com o governo. Platão frequentemente amplia o seu escopo em torno de questões pedagógicas e propriamente filosóficas, o que More poucas vezes faz. É de A República a passagem mais celebrada em Platão, na qual é dito o mito da caverna. More não consegue se aproximar de tal passagem, mas, convenhamos, poucas vezes a literatura mundial teve tal brilho.

Passado o tempo, A Utopia demonstra uma influência inegável, a ponto de ser sinônimo das utopias propriamente ditas. O livro, lido hoje, tem seu valor como exortação a uma vida mais simples, racional e digna. Não podemos aplicar a estrutura da utopia de Thomas More em nossa sociedade (e ele mesmo sabia disso), mas, se conseguíssemos aplicar esse espírito de simplicidade, nossa sociedade seria acrescida de valores mais interessantes. Infelizmente, caminhamos ao oposto do imaginado por More. Vivemos em uma sociedade cuja necessidade de consumo é cada vez maior, e o valor do homem como consumidor é maior do que como o de cidadão.