domingo, 4 de abril de 2010

O homem que tudo tem

Transcrevo abaixo parte da notícia retirada do sítio do uol. A reportagem completa encontra-se aqui.

"O matemático russo Grigory Perelman, 44, considerado um dos maiores gênios vivos do mundo, declarou (...) que não tem interesse em receber o prêmio de US$ 1 milhão a que tem direito por ter resolvido a chamada Conjectura de Poincaré.
Em seu apartamento infestado de baratas em São Petersburgo, Perelman afirmou, sem abrir a porta: "tenho tudo o que quero", segundo informou o jornal britânico Daily Mail.
(...)
A vizinha Vera Petrovna afirmou ao jornal britânico que já esteve no flat do matemático. "Ele tem apenas uma mesa, um banquinho e uma cama com um lençol sujo que foi deixado ali pelos antigos donos - uns bêbados que venderam o apartamento para ele".
"Estamos tentando acabar com as baratas nesse quarteirão, mas elas se escondem na casa dele", acrescentou.
Esse não é o primeiro prêmio esnobado por Perelman. Há quatro anos, ele não apareceu para receber a medalha Fields da União Internacional de Matemática."

Caro leitor, há de se observar que a ótica da notícia - focada nas baratas do apartamento do matemático - deixa de fora, basicamente, o que mais me espantou: o fato de alguém afirmar ter tudo o que quer. E mais que isso: o matemático prova o que fala, ao esnobar o prêmio.

A notícia, a meu ver, deveria ser: "matemático diz ter tudo o que quer", mas, ao dar o enfoque nas baratas, o noticiário tenta desmerecer o discurso de Perelman. Para a mídia e sua ideologia, o matemático é um excêntrico por esnobar dinheiro, e por isso ela tenta desarticular sua fala.

São ressaltados todos os traços de "maluquice" presentes no sujeito: o fato dele não ter atendido à porta, a ideia de seu apartamento estar infestado de baratas e dele ter comprado o imóvel de bêbados. O primeiro ponto a ressaltar é que todo mundo tem o direito à privacidade, e o fato dele não ter atendido à mídia não quer dizer nada. O segundo ponto: como a matéria pode falar que o apartamento está infestado de baratas se o matemático declarou, sem abrir a porta, ter tudo o que quer? A reportagem nem sequer entrou no local e tentou defini-lo. Depois, fica-se sabendo de como a reportagem teve acesso a essa "informação": através de uma vizinha que falou coisas pesadíssimas sobre o matemático.

A mídia, afinal, conseguiu o seu intuito: encontrou falas para desabonar o discurso de Perelman e assim ele é visto como um doido que esnobou um prêmio polpudo. Isso simplesmente pelo matemático não partilhar de uma ideologia cujo dinheiro está acima de tudo. Uma pena. Adoraria ver uma matéria sobre como um homem afirma ter tudo e, ainda por cima, é um gênio matemático.